Uma nova operação deflagrada pela Polícia Federal nesta quinta-feira (11) ampliou as suspeitas sobre atuação ilegal da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no governo Jair Bolsonaro (PL) e trouxe detalhes que envolvem ações clandestinas contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), parlamentares e jornalistas.
Do STF, segundo apontou a PF, foram alvos de ação ilegal os ministros Alexandre de Moraes, relator de apurações que miram bolsonaristas, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli.
A lista no Poder Legislativo inclui o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seu antecessor, Rodrigo Maia.
Entre jornalistas, estão Mônica Bergamo, colunista da Folha, Vera Magalhães, colunista do jornal O Globo, Luiza Alves Bandeira, do DFRLab (Digital Forensic Research Lab), ligado ao Atlantic Council, e Pedro Cesar Batista, do Comitê Anti-imperialista General Abreu e Lima.
Nesta quinta, a polícia deu início à quarta fase da Operação Última Milha e prendeu agentes que trabalhavam diretamente para o ex-diretor do órgão Alexandre Ramagem, atual deputado federal, pré-candidato do PL à Prefeitura do Rio de Janeiro e ligado ao vereador Carlos Bolsonaro (PL), que também é investigado.
Foram cumpridos mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão, expedidos pelo STF, contra Mateus de Carvalho Spósito, Richards Pozzer, Marcelo Araújo Bormevet, Giancarlo Gomes Rodrigues e Rogério Beraldo de Almeida. José Matheus Sales Gomes e Daniel Ribeiro Lemos foram alvos apenas de mandados de busca.
Fazem parte do grupo um policial federal e um sargento do Exército cedidos para a Abin e que atuavam com Ramagem. Há, ainda, influenciadores digitais que trabalhavam para o chamado “gabinete do ódio”, estrutura que funcionou na Presidência sob a tutela de Carlos.
O filho 02 do ex-presidente criticou em uma rede social a operação, falando em “verborragia do dia da imprensa” e que há fetiche por sua imagem.
A Folha procurou o gabinete de Ramagem, mas não houve resposta até a edição deste texto. As defesas dos alvos dos mandados de prisão e buscas expedidos pelo STF e cumpridos pela PF nesta quinta não foram localizadas pela reportagem.
O novo desdobramento de ação da PF constrange ainda mais o ex-presidente Bolsonaro em um momento em que já tinha que dar explicações públicas sobre outra investigação, relativa a joias presenteadas por governos estrangeiros, na qual foi indiciado na semana passada.
Na decisão sobre a Operação Última Milha, Moraes afirmou que os investigados, segundo os investigadores, “participaram de uma estrutura espúria infiltrada na Abin voltada para a obtenção de toda a ordem de vantagens para o núcleo político, produzindo desinformação para atacar adversários e instituições que, por sua vez, era difundida por intermédio de vetores de propagação materializados em perfis e grupos controlados por servidores em exercício na Abin”.
“O relatório da Polícia Federal traz prova da materialidade e indícios suficientes dos graves delitos praticados”, destacou o ministro em sua decisão.
Os policiais afirmam que as ações ilegais ocorreram de 2019 até 2022 e que os suspeitos se valiam de sistemas oficiais e clandestinos para obtenção dos dados necessários para seus interesses.
No documento a que se referiu Moraes, a PF afirmou ter identificado indícios de que a estrutura da agência foi usada para tentar proteger os filhos do ex-presidente de investigações.
A representação da PF cita um áudio, com metadados de 2020, “possivelmente gravado” por Ramagem, em conversa com Bolsonaro e o ministro Augusto Heleno sobre o caso das “rachadinhas” do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
O caso das “rachadinhas” abordava o possível do desvio de parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio, quando deputado estadual no Rio. Em nota divulgada por sua assessoria, Flávio afirmou que “não existia nenhuma relação” sua a Abin.
A investigação também apontou que a estrutura da Abin teria sido utilizada de forma clandestina para interferir em investigação de outro filho do ex-presidente, Jair Renan Bolsonaro. A defesa dele não quis comentar o caso.
Em outra frente de atuação, afirma a polícia, o grupo suspeito promoveu ações clandestinas direcionadas para desacreditar o processo eleitoral.
O relatório da investigação diz que Ramagem tinha “domínio do fato” das medidas realizadas com recursos humanos e materiais da agência. O questionamento das urnas eletrônicas, de acordo com a PF, era prática reiterada nas “ações de desinteligência” do grupo suspeito.
Os investigadores atribuem a ação ao policial federal Bormevet e ao sargento do Exército Giancarlo, ambos emprestados à Abin na ocasião.
O primeiro foi segurança de Bolsonaro na campanha de 2018 e nomeado por Ramagem para comandar o CIN (Centro de Inteligência Nacional), estrutura criada pelo atual deputado na agência. Já Giancarlo era subordinado a Bormevet.
Segundo a PF, os dois teriam direcionado, no exercício funcional na Abin, ações para atacar um assessor do presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, em atuação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Bormevet determinou a Giancarlo que “mandasse bala” para “sentar o pau” no assessor, a partir de uma publicação no X (antigo Twitter) sobre as urnas eletrônicas e de declarações do perfil “Kim Paim”.
Um dos que tiveram prisão decretada nesta quinta, Richards Pozzer, era o responsável, segundo a Polícia Federal, por difundir nas redes sociais informações produzidas pela “Abin paralela”.
De acordo com a PF, Pozzer publicava as informações em um perfil do antigo Twitter que tinha o seu nome e também em outras páginas e grupos acessados por apoiadores do ex-presidente Bolsonaro.
O relatório que fundamentou a fase da operação deflagrada nesta quinta-feira aponta ainda que pelo menos um ex-governador —João Doria (na época do PSDB, hoje sem partido)— e servidores do Ibama e da Receita também foram alvo dos monitoramentos.
A chamada Abin paralela também buscou saber se havia relação entre o homem que esfaqueou Bolsonaro em 2018, Adelio Bispo, com rivais do ex-presidente, incluindo o ex-ministro José Dirceu (PT). Também foram orientados, de acordo com as investigações, a “caçar podres” dos deputados Arthur Lira e Kim Kataguiri (União Brasil-SP).
A polícia também interceptou troca de mensagens do final de 2022 em que dois investigados falam, segundo a investigação, sobre “minuta do decreto de intervenção” para o “rompimento democrático”.
“O Nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?”, questiona o policial Bormevet, segundo os documentos.
Giancarlo Rodrigues responde, ainda de acordo com o relatório: “Assinou nada. Tá foda essa espera”.