O governo Lula (PT) editou um decreto que coloca em risco cerca de R$ 15 bilhões em emendas que deputados e senadores comprometidas ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
A ameaça de cancelamento gerou reação do Legislativo, que já prepara uma medida para dar sobrevida às emendas. Os parlamentares contam com o repasse desses recursos para suas bases, sobretudo em ano de eleições municipais.
A construção de uma saída para o problema, no entanto, não desfaz o incômodo deixado pelo decreto.
Parlamentares ficaram insatisfeitos com o ato do governo, num momento em que o Executivo enfrenta dificuldades para obter votos e negociar a aprovação de propostas essenciais para a equipe econômica do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Emenda parlamentar é um instrumento usado por congressistas para destinar verbas a obras, projetos e compra de bens em seus redutos eleitorais. É comum que alguns contratos só venham a ser finalizados meses ou até anos após a indicação da emenda.
Há ainda um saldo de quase R$ 15 bilhões em emendas de 2019, 2020 e 2021 cuja execução ainda não foi concluída. Nesse período, o Congresso assumiu o controle de uma fatia até então recorde dos recursos do Orçamento, inclusive por meio das emendas de relator, posteriormente declaradas inconstitucionais pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
As despesas que começaram a ser executadas, mas ainda não foram pagas, podem ser repassadas de um ano para o outro por meio dos chamados restos a pagar.
Nesta quarta-feira (6), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que estava no exercício da Presidência da República durante viagem internacional de Lula, editou um decreto com regras para a manutenção dessas despesas de anos anteriores, incluindo as emendas.
Pelas regras do decreto, as emendas que não foram totalmente quitadas serão canceladas pelo Tesouro Nacional ao longo de 2024. Para as verbas indicadas em 2019 e 2020, o prazo limite será 31 de março. Para os valores de 2021, o limite será 30 de junho do próximo ano.
A interrupção dos contratos ocorreria, portanto, às vésperas do período eleitoral, o que irritou parlamentares. Membros do Congresso afirmam que os prefeitos já esperam concluir obras e receber esses recursos em meio à campanha.
Logo na manhã de quarta, após a publicação do decreto no Diário Oficial da União, as primeiras reclamações começaram a circular entre deputados e senadores.
A reação veio na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024. O relator, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), incluiu um dispositivo para prorrogar os restos a pagar relativos a essas emendas até o fim do ano que vem.
A estratégia não é nova. No ano passado, diante do risco de cancelamento dos restos a pagar de emendas, os congressistas também usaram a LDO de 2023 para assegurar a manutenção dos gastos até o fim deste ano.
Às vésperas do fim do mandato, Bolsonaro ameaçou vetar o dispositivo, a pedido da área econômica. O ato resultaria na derrubada de cerca de R$ 10 bilhões em emendas parlamentares, o que gerou forte reação. O ex-presidente recuou e sancionou o artigo.
Agora, o estrago provocado pelo decreto do governo Lula seria ainda maior. Do saldo de R$ 15 bilhões a serem quitados, a maior parte (R$ 9,5 bilhões) se refere a emendas de relator, que foram a principal moeda de troca nas negociações entre o governo Bolsonaro e o Congresso.
Por esse mecanismo, deputados e senadores aliados ao governo e aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), conseguiram ampliar significativamente a verba repassada a suas bases eleitorais.
Sem o decreto do Palácio do Planalto, os R$ 15 bilhões em emendas herdadas da gestão Bolsonaro perderiam validade no dia 1º de janeiro de 2024. O decreto assegurou uma prorrogação de no mínimo três meses, mas o ato foi considerado insuficiente por parlamentares.
Articuladores políticos de Lula receberam o recado de que o cancelamento das emendas poderia azedar de vez a relação do governo com o Congresso.
Membros do próprio Executivo apontaram a saída via LDO como uma solução para o impasse. A proposta estabelece as diretrizes para a formulação do Orçamento de 2024 e deve começar a ser votada na próxima semana.
O impasse sobre as emendas de anos anteriores virou uma pedra a mais no caminho do governo Lula, que já enfrenta dificuldades na organização da base aliada no Congresso. Na reta final do ano, em especial, há uma concentração de medidas de interesse de Haddad para ampliar a arrecadação na tentativa de reequilibrar as contas públicas.
Nas últimas semanas, também aumentaram as reclamações com a demora na liberação de novas emendas neste ano. Embora previstas no Orçamento de 2023, essas despesas dependem de uma ação do Executivo para irem adiante.
Após ser cobrado por parlamentares, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, convocou a imprensa na terça (5) para dizer que a autorização para esses repasses está em “ritmo acelerado” e que isso será mantido até o fim do ano.
De um total de aproximadamente R$ 40 bilhões em emendas previstas no Orçamento de 2023, ainda faltam R$ 7,7 bilhões para serem liberados até o fim do ano. Integrantes do governo atribuem a demora à morosidade de ministérios que foram recriados na gestão Lula e que não se prepararam para lidar com o alto volume de recursos da cota do Congresso.
ENTENDA AS EMENDAS PARLAMENTARES E SEU USO
O que são emendas?
Emenda é a forma que deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar o capital político
Quais os tipos de emendas?
Hoje existem três tipos: as individuais (que todo deputado e senador têm direito), as de bancada (parlamentares de cada estado definem prioridades para a região) e as de comissão (definida por integrantes dos colegiados do Congresso)
VEJA A CRONOLOGIA DAS EMENDAS PARLAMENTARES
Antes de 2015
- A execução das emendas parlamentares era uma decisão política do governo, que poderia ignorar a destinação apresentada pelos congressistas.
2015
- A emenda constitucional 86/2015 estabeleceu a execução obrigatória das emendas individuais, o chamado orçamento impositivo, com algumas regras.
2019
- O Congresso ampliou o orçamento impositivo ao aprovar a emenda constitucional 100, que tornou obrigatórias também as emendas de bancadas estaduais
- O Congresso emplacou um valor expressivo para as emendas feitas pelo relator-geral do Orçamento, R$ 30 bilhões para o ano seguinte
- Jair Bolsonaro vetou a medida e o Congresso só não derrubou o veto mediante acordo que manteve R$ 20 bilhões nas mãos do relator-geral
- Bolsonaro também deu uma autonomia completa para a cúpula do Congresso decidir para onde todo esse montante seria destinado
2020
- Com o acordo de 2019, feito por Bolsonaro para manter uma base de apoio no Congresso, o valor destinado às emendas deu um salto e chegou a R$ 44 bilhões.
2022
- Durante a campanha eleitoral, Lula criticou o modelo de negociação com o Congresso e prometeu sepultá-lo, mas, na prática, acabou não fazendo isso
- O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional a emenda de relator. A verba foi rebatizada e transferida ao orçamento dos ministérios, mas o governo Lula driblou a decisão e manteve o uso político dos recursos -há, em 2023, R$ 9,8 bilhões reservados para esse tipo de negociação
2023
- Cada deputado teve R$ 32 milhões em emendas individuais (senadores, R$ 59 milhões), valores que têm execução obrigatória e que em alguns casos podem mais que dobrar em decorrência das emendas de bancadas e das “emendas extras”
(Notícias ao Minuto)