A cada mês do ano de 2024, pelo menos um policial militar atentou contra a própria vida na Bahia. Até o dia 14 de maio, a Associação de Policiais e Bombeiros Militares do Estado da Bahia (Aspra-BA) contabilizou seis casos de suicídio de PMs no estado. O mais recente ocorreu na última segunda-feira (13), no município de Serrinha, no nordeste baiano. Na ocasião, o policial militar Bruno de Oliveira Mota, de 40 anos, matou a filha de 9 anos e depois cometeu suicídio. A polícia suspeita que ele teve um surto psicótico após a ex-companheira negar reatar o relacionamento.
Segundo dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no segundo semestre de 2023, sete profissionais civis e militares cometeram suicídio em 2022. A Bahia foi o segundo estado do país com maior número de ocorrências do tipo naquele ano.
Para o soldado Marco Prisco, coordenador-geral da Aspra-BA, esses casos são reflexo do limite da pressão psicológica em que vivem os policiais. “Sem acompanhamento adequado, [a tropa baiana] é submetida a onda de violência, sem qualquer tipo de proteção psicológica, cível ou qualquer que seja. Sobrecarga de trabalho, falta de valorização, risco de morte extremo, além da falta de cuidado psicológico são apenas algumas das muitas circunstâncias para transtornos gravíssimos que podem levar à morte dos profissionais”, afirma.
A Aspra-BA estima que pelo menos mil policiais militares estejam afastados das suas funções por problemas psicológicos. A reportagem procurou a Polícia Militar da Bahia, a Secretaria da Administração do Estado da Bahia (Saeb) e a Secretaria de Segurança Pública para confirmar esses dados ou informar seu próprio levantamento, bem como explicar em qual o procedimento adotado junto aos policiais após o diagnóstico de problema psicológico, mas os órgãos não responderam até o fechamento desta matéria.
Quando acometidos pela sobrecarga emocional, é possível que esses profissionais desenvolvam uma depressão grave. Nesse quadro, o psiquiatra Antonio Freire aponta que os sinais de alerta incluem o sentimento de inutilidade e desesperança, que acabam se tornando uma verdade para a pessoa depressiva. “Diante disso, a pessoa pode começar a acreditar que morrer ou viver não faz diferença, que a morte poderia até mesmo ser uma solução ou um alívio. Pode se isolar de todos, se tornar amarga e rude, impaciente e irritável e, inclusive, planejar o fim da própria vida”, alerta.
Para o soldado Marco Prisco, o caso do PM que matou a filha e depois se suicidou revela a falha do sistema que rege a Polícia Militar em identificar esses sinais e afastar o policial. “A restrição ao uso das armas é definida pelo Comando do militar, conforme análise técnica de laudo de profissional da psicologia. Não posso analisar o caso em específico porque seria irresponsável, sem antes ouvir profissional da psicologia e o comando do militar. Mas um fato é indiscutível: o sistema errou. Alguém, no processo, banalizou a dor deste profissional que, por questões sérias psicológicas, acabou matando a própria filha criança e depois se suicidando”, diz. “E essa tem sido a regra: A dor do profissional da segurança quase sempre é banalizada, deixada de lado e tragédias são cada vez mais frequentes”, completa.
Uma mudança nesse cenário, ainda de acordo com o coordenador-geral da Aspra, envolve uma mudança estrutural que deve começar pelo entendimento de que a saúde dos policiais civis e militares é um tema emergencial que demanda medidas a curto e longo prazo. Elas vão desde a valorização desses profissionais até o cuidado extremo com sua saúde mental e física.
“A equipe de profissionais de saúde mental na Polícia Militar da Bahia é pequena e não dá conta do tamanho do problema. Como é que um policial pode se sentir realizado na Bahia combatendo a criminalidade de frente com o déficit de 12 mil homens na tropa, com salários defasados, equipamentos de combate sucateados, sem apoio à prática de esportes? Os profissionais da segurança pública vivem em zona de guerra constantemente e há anos. A segurança pública deveria ser prioridade”, reivindica.
Já no que diz respeito à possibilidade de ação dos próprios policiais em relação a sua saúde mental, o psiquiatra Antonio Freire recomenda uma série de práticas que podem evitar os casos de suicídio. “Preserve sua saúde mental, cuide também dela, fortaleça sua rede de apoio, mantenha contato com amigos e familiares. Atividade física e prática de esportes também são um forte aliado da saúde mental. Busque modalidades de práticas integrativas e complementares em saúde, como meditação, acupuntura e relaxamento. Não tenha vergonha de buscar profissionais de saúde mental, se perceber que não está bem emocionalmente”, aconselha.
Onde buscar ajuda?
Se você está passando por sofrimento psíquico ou conhece alguém nessa situação, veja abaixo onde encontrar ajuda:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
Se estiver precisando de ajuda imediata, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV), serviço gratuito de apoio emocional que disponibiliza atendimento 24 horas por dia. O contato pode ser feito por e-mail, pelo chat no site ou pelo telefone 188.
Canal Pode Falar
Iniciativa criada pelo Unicef para oferecer escuta para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O contato com o Canal Pode Falar pode ser feito pelo WhatsApp, de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h.
SUS
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) voltadas para o atendimento de pacientes com transtornos mentais. Há unidades específicas para crianças e adolescentes. Na cidade de São Paulo, são 33 Caps Infantojuventis e é possível buscar os endereços das unidades nesta página.
Mapa da Saúde Mental
O site Mapa da Saúde Mental traz mapas com unidades de saúde e iniciativas gratuitas de atendimento psicológico presencial e online. Disponibiliza ainda materiais de orientação sobre transtornos mentais. (Correio)