Prestes a completar três anos, o Núcleo de Enfrentamento e Prevenção ao Feminicídio (NEF) já atendeu 452 homens em cumprimento de Medida Protetiva de Urgência, em Salvador, expedida pelas varas de Violência Doméstica e Familiar. O NEF é uma ação coordenada pela Secretaria de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude (SPMJ), em parceria com o Tribunal de Justiça da Bahia e com a Guarda Civil Municipal (GCM).
Juntamente com outras iniciativas, o núcleo atua no combate à violência contra a mulher e no enfrentamento e prevenção do feminicídio. Quando foi inaugurado, em 2021, a ação tinha uma média de sete homens participando dos Grupos Reflexivos de Homens (GRH), que têm como objetivo realizar um trabalho reflexivo, educativo e também de responsabilização com cada integrante que cometeu algum tipo de violência contra a mulher e que tenha contra si uma medida protetiva. Atualmente, a média é de 10 a 12 homens participando.
Atualmente, 251 homens participam dos encontros, distribuídos em 25 grupos. Outros 20 homens já foram encaminhados e aguardam a geração de prontuário. “O nosso trabalho tem um caráter responsabilizante, mas ao mesmo tempo educativo, para evitar que esse homem volte a cometer violência. Nós fazemos essa abordagem com exposição dialógica, dinâmicas de grupo, exibição de vídeos, de músicas, rodas de conversa e escuta ativa para estimular essa reflexão coletiva e individual em torno do seu comportamento e da sua relação com a mulher”, explica a coordenadora do NEF, Iracema Silva.
Temas e ciclos – Durante os encontros, são trabalhados temas como violência de gênero, inteligência emocional, relacionamento abusivo, masculinidade tóxica, Direitos Humanos das mulheres, repetição de padrão, abuso de álcool e drogas e o efeito que provoca na saúde do homem e nas relações interpessoais, questão de gênero, comunicação não violenta, responsabilidade afetiva, autorresponsabilidade e autoavaliação, entre outros.
O acompanhamento do NEF é feito em dois ciclos: o primeiro com 12 encontros semanais ao longo de três meses e o segundo com encontros mensais ao longo de 12 meses. O núcleo conta com uma equipe formada pela coordenadora Iracema Silva, uma advogada, uma psicóloga, um psicólogo e uma assistente social. Além disso, três guardas municipais atuam como parceiros: um terapeuta, um psicólogo e outro com formação na área de Direito. Também atuam no NEF alguns facilitadores externos, a exemplo de Isabel Alice, primeira titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), e de psicólogos que atuam como voluntários.
Mudança – A mudança de comportamento ao longo do acompanhamento é um detalhe que tem chamado a atenção da coordenadora. Ela conta que, geralmente, os homens chegam ao NEF muito aborrecidos com um discurso de responsabilizar o outro, ou seja, a mulher.
“A maioria não tem clareza de que aquele comportamento que mantinha de xingamento, de ameaça, de gritar e de depreciar a mulher constitui uma violência psicológica e moral que quase sempre antecede uma violência física. Percebemos que quando as mulheres denunciam é porque já estão vivendo nesse ciclo de violência há um tempo e chega a um ponto em que elas não aceitam e não querem mais”, afirma.
“A partir do momento em que nós vamos tendo o terceiro e o quarto encontro, eles já estão bem mais conscientizados, porque eles já falam sobre o fato sem culpar o outro, entendendo que há uma participação deles muito efetiva na ocorrência e na medida protetiva. Há casos também em que há uma decisão de revogação da medida, mas que mesmo assim o homem pede para continuar assistindo às palestras e participando dos encontros, pois sentem que é algo que está proporcionando um efeito positivo na vida dele próprio”, complementa.
Ela frisa que grande parte dos homens atendidos no NEF vem de um lar marcado pela violência de pai, de mãe, de padrasto ou madrasta, e por isso começa a considerar que aquela forma de relacionamento é comum. “A gente começa a explicar que não é normal, que eles não precisam carregar esse peso da masculinidade tóxica”, afirma.
Outro aspecto que já chamou a atenção de Iracema ao longo destes mais de dois anos de atuação no NEF foi o preenchimento de alguns questionários de autoavaliação. “Eles dizem que hoje não fariam mais o que fizeram no passado, que começaram a entender o direito das mulheres. Eu já vi frases como essa: ‘Hoje eu percebo o quanto a minha mãe sofreu violência, o quanto meu pai era um agressor’. Trazer essa consciência é muito forte, e é a partir dessa clareza que eles começam a ter das próprias atitudes, que os psicólogos começam a trabalhar com eles uma mudança de comportamento”, diz.
Sobre a importância dos Grupos Reflexivos de Homem, Iracema os define como uma ferramenta de prevenção e um ponto de diálogo. “O homem é acostumado a não falar de emoções e de sentimentos. Então, os grupos funcionam como uma ação de atenção, prevenção e proteção à mulher e à família, tanto que a iniciativa está prevista na Lei Maria da Penha como uma Medida Protetiva de Urgência. É um momento de conscientizar, de sensibilizar e engajar os homens nas ações preventivas. Nós estimulamos esse compromisso de romper o ciclo de violência não só na relação familiar, mas em todas as relações em que o homem está envolvido”, destaca.