Levantamento feito pela AMB (Associação Médica Brasileira) e pela USP (Universidade de São Paulo) aponta que o Brasil alcançou a marca de 562.229 médicos inscritos nos 27 CRMs (Conselhos Regionais de Medicina). A taxa nacional é de 2,6 profissionais por 1.000 habitantes, mas há grande desigualdade na distribuição dos médicos pelos estados.
O dado, de janeiro de 2023, consta no estudo Demografia Médica Brasileira, lançado nesta quarta-feira (8). A coordenação é do professor doutor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Mário Scheffer.
Em comparação com 2000, quando havia 219.896 médicos no país, o número de profissionais mais do que dobrou. No mesmo período, a população brasileira cresceu cerca de 27%.
Entre 2010 –quando o país tinha 1,63 médicos por grupo de 1.000 habitantes– e 2023, 251.362 novos profissionais passaram a atuar no Brasil, graças à abertura de cursos e de vagas de graduação em medicina, segundo o levantamento.
“Mesmo com o aumento expressivo no número de médicos nos últimos anos, está mantida uma concentração de médicos nas capitais, nos grandes centros. Essa desigualdade se sobrepõe a outra desigualdade. A força de trabalho médico está cada vez mais concentrada em serviços privados que atendem a menor parcela da população. É a soma da desigualdade geográfica com a crítica entre o público privado num sistema de saúde, que faz com que mesmo num país onde teremos um milhão de médicos em curto prazo, continuarão os vazios existenciais em razão da estrutura do sistema de saúde”, diz o pesquisador.
ONDE ESTÃO OS MÉDICOS
Apesar do crescimento, a desigualdade segue a tendência dos últimos anos. Com taxa por mil habitantes de 3,39, o Sudeste concentra a maior parte dos médicos, seguido pelas regiões Centro-Oeste (3,10) e Sul (2,95).
O Norte e o Nordeste possuem densidade de médicos por 1.000 habitantes abaixo da média nacional —1,45 e 1,93 respectivamente. Com exceção da Paraíba (2,81), os estados das duas regiões possuem taxas abaixo de 2,4.
Das 27 unidades da federação, 11 têm densidade de médicos por 1.000 habitantes acima da taxa nacional (2,41) e, 16 estão abaixo.
Acre (1,41), Amazonas (1,36), Maranhão (1,22) e Pará (1,18) possuem as menores taxas.
A maior parte da população médica está nas capitais, onde a densidade por 1.000 habitantes é de 6,13 –1,14 nas regiões metropolitanas e 1,84 nos interiores. As capitais dos 26 estados e o Distrito Federal concentram 50.916.038 pessoas.
Nas demografias médicas publicadas em 2018 e 2020, o Sudeste também foi a região com mais médicos por grupo de mil habitantes —taxa de 2,81 e 3,15 respectivamente —e o Norte com menos profissionais –densidade de 1,16 e 1,30 respectivamente.
“Quando falamos em vazios existenciais, imaginamos que isso só acontece na região Norte, no Amazonas, nas populações ribeirinhas. Não! Isso acontece em São Paulo também. A nossa pesquisa tem aspectos qualitativos, muito mais do que quantitativos, o que nos remete a um grande equívoco. Nós podemos imaginar que nosso problema é só de quantidade de médicos, de distribuição de médicos. Mas temos um problema qualitativo, que é a má qualidade da formação dos médicos, afirma César Eduardo Fernandes, presidente da AMB.
“Nós abrimos muitas escolas de medicina, de qualidade duvidosa e não vemos nenhum controle. A responsabilidade é do Ministério da Educação. Se autoriza a formação médica numa cidade que não tem condição de formar médico, deve ser responsável pela qualificação desse médico. Ela deve ser atestada e comprovada. Nós na AMB defendemos que o médico que vem de fora para trabalhar aqui precisa do revalida. Por que não fazemos o mesmo com o nosso egresso de medicina? Nosso problema não é só de mais profissionais, mas de médicos qualificados e resolutivos”, conclui Fernandes.
COMPARAÇÃO COM OUTROS PAÍSES
O índice brasileiro de médicos por 1.000 habitantes é menor do que a média dos países avaliados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (3,73).
Os indicadores são altos na Grécia (6,16), Áustria (5,45), Noruega (5,18), Espanha (4,58), Itália (4,13) e Austrália (3,83), entre outros.
O percentual brasileiro é maior do que o registrado na China (2,24), Índia (0,90), África do Sul (0,79) e Indonésia (0,63), e compatível com Coreia do Sul (2,51), Estados Unidos (2,64) e Canadá (2,77), por exemplo.
PROJEÇÕES
Em dois anos, o Brasil deverá ter uma taxa de 2,91 médicos por 1.000 habitantes, quase três vezes a registrada em 1980 (0,94).
Em 2035, mais de um milhão de médicos estarão em atividade no Brasil —com densidade de 4,43 por 1.000 habitantes. Segundo o levantamento, mulheres mais jovens deverão prevalecer. A desigualdade também.
Entre 2009 e 2022, o número de mulheres evoluiu de cerca de 133.000 para aproximadamente 260.000, ou seja, quase dobrou.
Entre os homens, o crescimento foi de 43%, em média.
MÉDICOS ESPECIALISTAS
Em junho de 2022, 321.581 médicos brasileiros tinham pelo menos um título de especialista, o que correspondia a 62,5% do total de 514.215 profissionais (dados de junho) em atividade no país. Os demais 192.634 (37,5%) eram generalistas.
Os dados mostram que, no mesmo período, o país tinha 438.239 títulos em especialidades e 495.716 registros de médicos titulados.
Para Mário Scheffer, apesar do aumento de 85% no número de especialistas, a desigualdade na distribuição torna-se um problema.
“Eles não estão mal distribuídos em relação ao território, mas também concentrados em serviços privados que atendem a menor parte da população. É urgente a adoção de políticas de maior atração e fixação de especialistas no SUS. Também há um crescimento importante dos médicos sem especialização. É um dado que precisa ser discutido, uma vez que não haverá, pelo menos no cenário atual, uma oferta de capacidade de formar especialistas. O número de vagas em residência médica é insuficiente. Há uma defasagem em relação ao grande número de recém-formado de egressos das escolas médicas e dos cursos de medicina”, afirma.
Clínica médica, pediatria, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, anestesiologia, ortopedia e traumatologia, medicina do trabalho e cardiologia representam, juntas, mais da metade (55,6%) do total de registros de especialistas.
O sexo masculino é maioria em 36 das 55 especialidades médicas, e o feminino está em 19 delas.
Em urologia, neurocirurgia e ortopedia e traumatologia os homens são mais de 90%.
As mulheres são minoria em todas as especialidades cirúrgicas, mas dominam a dermatologia —8.236 médicas, que correspondem a 77,9% dessa área.
Elas também ocupam mais espaço na pediatria (75,6%), alergia e imunologia e endocrinologia e metabologia (ambas com 72,1%).
A presença de homens e mulheres é equilibrada nas especialidades de nutrologia, medicina física e reabilitação, e gastroenterologia.
Neste ano, pela primeira vez, o CFM (Conselho Federal de Medicina) lançou a própria demografia médica.
De acordo com a plataforma, disponibilizada à população em geral na segunda (6), o Brasil encerrou 2022 com 545.481 médicos e taxa de 2,56 por mil habitantes. O dado exclui profissionais acima de 80 anos e com inconsistências cadastrais no CFM.
Em 1990, o país tinha 162.234 médicos; No ano de 2000, foram contabilizados 239.730 profissionais; em 2010, 343.764, e em 2020, 504.935.
“Em 2010, a proporção de médicos por mil habitantes era de 1,76. O país nunca teve tantos médicos em atividade. Isso ocorreu por uma combinação de fatores: mantém-se forte a taxa de crescimento do número de profissionais, há consistente aumento de novos registros, mais entradas do que saídas de profissionais do mercado de trabalho e um perfil jovem (com baixa média de idade) e maior longevidade profissional”, afirmou o presidente do CFM, José Hiran Gallo.
O levantamento do CFM também apontou desigualdade na distribuição de médicos.
O Sudeste ainda concentra a maior parte dos médicos. A taxa por mil habitantes é de 3,22, seguido pelas regiões Sul (2,82), Centro-Oeste (2,74), Nordeste (1,75) e Norte (1,34) – o cálculo considerou a distribuição de registros médicos pelo país (546.497). São profissionais que possuem endereço e registro no CRM em mais de um local.