As ondas de calor fizeram parte da população brasileira passar sufoco na última semana, com sensação térmica chegando a 59,3ºC na cidade do Rio de Janeiro, dia 17 (sexta-feira). No sábado,18, o município registrou um novo recorde de temperatura: 42,5ºC. Na Bahia, onde a região Oeste foi a mais afetada, os dias mais quentes registraram em torno de 40ºC. Não é a primeira ocorrência do fenômeno este ano e há a possibilidade de repetição.
Meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Cláudia Valéria diz que outras temperaturas altas podem ocorrer até o final da Primavera, e novas ondas de calor não estão excluídas. Ela esclarece que para a elevação nos termômetros caracterizar uma onda de calor é preciso que essa temperatura esteja pelo menos cinco graus acima da média daquele mês e dure, no mínimo, três dias consecutivos.
“Essa questão das ondas de calor, essa condição se deve basicamente por atuação de sistemas de alta pressão que formam os sistemas de bloqueio, que são comuns nesse período do ano. Esse ano especificamente a gente está com a influência do fenômeno El Niño, que é o aquecimento das águas do Oceano Pacífico Equatorial e provoca grande influência na condição do tempo e do clima no Brasil de uma maneira geral”.
Os alertas para os impactos da ação no clima também têm feito com que a sociedade fique mais ligada ao tema, mas Cláudia esclarece que na Bahia, até o momento, o tempo tem estado dentro do esperado para o período. Lembrando que para a meteorologia, tempo é a condição mais imediata, a exemplo da previsão para os próximos dias ou semanas. Já o clima faz referência a um período prolongado, a avaliação de média climatológica, por exemplo, requer dados de pelo menos 30 anos.
“Cada região tem suas especificidades. No caso da Bahia, as temperaturas mais altas, elas são comuns para essa época do ano as temperaturas em torno de 40 graus, todo ano a gente observa esses valores sendo atingidos, principalmente no Vale do São Francisco e Oeste do Estado. Esse ano a gente ainda não bateu recorde nenhum, os recordes se mantêm em outros anos que também tiveram El Niño. A gente está dentro de um padrão normal de um período seco e com El Niño”.
Estendendo a análise para a região Nordeste, ela confirma a tendência a termos um Verão com bastante calor. “Quando estamos em ano de El Niño, nós já temos esse parâmetro de que o fenômeno nos traz, na maioria das vezes, menos chuvas e temperaturas mais altas. Se a gente já vem observando essas temperaturas elevadas agora no decorrer da Primavera e o Verão é a nossa estação mais quente em grande parte da região Nordeste, então significa que teremos também um Verão quente”, comenta.
Mudanças climáticas
A meteorologista acrescenta que as ondas de calor que temos visto no Brasil, registradas também no Verão do Hemisfério Norte (20 de junho a 22 de setembro) – e excepcionalmente no último inverno -, também são influenciados pelas chamadas mudanças climáticas. “Não é um achismo, pesquisas científicas apontam que as mudanças climáticas têm trazido esses eventos extremos no mundo. É inegável que eles venham ocorrendo com mais frequência e com maior intensidade”, diz.
Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indica que houve aumento gradual da ocorrência de ondas de calor ao longo dos períodos analisados, em praticamente todo o Brasil. As exceções são a região Sul, a metade sul do estado de São Paulo e o sul do Mato Grosso do Sul. No período de referência, o número de dias com ondas de calor não ultrapassava sete. Para o período de 1991 a 2000 subiu para 20 dias; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com ondas de calor chegou a 52.
Quanto às chamadas anomalias positivas de temperatura máxima, o Inpe verificou que, entre 1991 e 2000, não passavam de cerca de 1,5°C. Porém, atingiram 3°C em alguns locais para o período de 2011 a 2020, especialmente na região Nordeste e proximidades. No período de referência, a média de temperatura máxima no Nordeste era de 30,7°C e sobe, gradualmente, para 31,2°C em 1991-2000, 31,6°C em 2001-2010 e 32,2°C em 2011-2020.
Análise
Professor de Climatologia do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia, Paulo Zangalli Junior reforça o caráter cíclico das ondas de calor durante a Primavera, sobretudo na transição para o Verão, e observa essa dinâmica sob uma perspectiva mais ampla. Exatamente por terem frequência, duração e intensidade conhecidas entre os especialistas da área, esses fenômenos permitem mensurar o impacto das ações humanas sobre sua ocorrência.
“Tem um ramo da meteorologia que tem sido chamado de ciência da atribuição. A ciência da atribuição surgiu para responder ‘qual é a magnitude da interferência dessa sociedade capitalista, pós-revolução industrial, nisso que a gente já conhece da dinâmica natural do clima?’. Vale a pena pontuar que quando a gente fala de mudança climática, a gente não está falando de uma mudança radical, o que a gente já vê ocorrendo é que essa ciclicidade, essa variabilidade natural se intensifica”, explica.
Zangalli comenta que as ondas de calor têm sido mais frequentes, mais intensas e com duração atípica, e a ciência da atribuição já consegue afirmar que a influência do modelo de produção atual é de grande proporção nesse fenômeno. “A gente pode afirmar com alta confiança que essas ondas de calor não ocorreriam com essa intensidade não fosse esse excesso de calor que a gente colocou na atmosfera, intensificando esses processos todos”, ressalta.
Uma das medidas adotadas em todo o mundo para mitigar esse excesso de calor colocado nas atmosferas e nos oceanos é a retirada de gases de efeito estufa da atmosfera, o sequestro de carbono, esclarece o professor. Embora avance lentamente, esses processos de mitigação ainda estão mais acelerados do que os que adaptação, caracterizados por intervenções voltadas para reduzir os impactos de eventos extremos na população, a exemplo da remoção de moradores de áreas de risco.
“Avança porque é onde o mercado consegue precificar. É uma lógica bastante econômica mesmo: eu tenho um problema e eu vou colocar este problema numa lógica de preços, para que isso, inclusive, entre nos balanços comerciais dos grandes países. O que está sendo discutido hoje em termos nacionais e internacionais – inclusive é a última etapa do Acordo de Paris – é a criação de uma regulação, a criação do mercado institucional de carbono, pois hoje existe um mercado livre”, completa Zangalli.
Cuidados com a saúde nas ondas de calor:
– Evite a exposição direta ao sol, em especial, de 10h às 16h;
– Use protetor solar. Se expor ao sol sem a proteção adequada contra os raios ultravioleta deixa a pele vermelha, sensível e até com bolhas;
– Use chapéus e óculos escuros (especialmente pessoas de pele clara);
– Use roupas leves e que não retêm muito calor;
– Diminua os esforços físicos e repouse frequentemente em locais com sombra, frescos e arejados;
– Aumente a ingestão de água ou de sucos de frutas naturais, sem adição de açúcar, mesmo sem ter sede;
– Evite bebidas alcoólicas e com elevado teor de açúcar;
– Faça refeições leves, pouco condimentadas e mais frequentes.
– Ofereça água para recém-nascidos, crianças, idosos e pessoas doentes, eles podem não sentir sede;
– Se possível, feche cortinas e/ou janelas mais expostas ao calor;
– Abra as janelas durante a noite;
– Utilize menos roupas de cama e vista-se com menos roupas ao dormir, sobretudo, em bebês e pessoas acamadas;
– Em locais secos, mantenha os ambientes úmidos usando umidificadores de ar, toalhas molhadas ou baldes de água.
– Procure aconselhamento médico se sofrer de uma doença crônica condição médica ou tomar vários medicamentos;
– Busque ajuda se sentir tonturas, fraqueza, ansiedade ou tiver sede intensa e dor de cabeça;
– Se sentir algum mal-estar, busque um lugar fresco o mais rápido possível, meça a temperatura do seu corpo e beba um pouco de água ou suco de frutas para reidratar.