Nomofobia, o vício ao celular, o que saber e como evitar

“Durmo e acordo com o celular do meu lado. Levo pra todos os locais da casa como se fosse uma extensão do meu corpo e se for pra rua sem ele entro em pânico e preciso voltar pra buscar”, diz Paula Pereira (fonte que preferiu não se identificar). O celular está no bolso de cerca de 163,8 milhões de brasileiros, 87,6% da população com 10 anos ou mais, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023. Mas para alguns, essa relação com o aparelho móvel evoluiu para uma condição patológica de dependência digital, que pode levar, inclusive, à internação.

O nome dado a essa condição é nomofobia, que é o que acontece quando a pessoa tem medo de ficar sem celular, ou outros dispositivos eletrônicos, como o computador. A questão é séria ao ponto dessa ausência – ou a possibilidade dessa ausência – ser capaz de causar uma sensação de estar incompleto, de medo, angústia e irritabilidade. O termo vem do inglês “nomophobia” (no mobile-phone-phobia”), que em tradução livre significa medo de ficar sem celular.

A condição ainda não é uma doença presente nos principais manuais de diagnóstico, mas é cada vez mais discutida e motivo de preocupação para especialistas da área da saúde. Desde 2018 a dependência digital é vista como transtorno pela Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com cada caso, o tratamento varia de psicoterapias nos mais leves até internação nos casos graves, como explica o psiquiatra e professor do curso de medicina da Universidade Salvador (UNIFACS), Vinicius Pedreira

“A gente utiliza terapias como a cognitiva comportamental e a interperssoal para ajudar essa pessoa a gerenciar melhor seu tempo. Se não der jeito podemos olhar os transtornos comórbidos como ansiedade, depressão, vício em jogos, dependências diversas, e investir em tratamento. Se mesmo assim não houver resolução, a pessoa pode ser internada como um dependente químico, uma internação para que haja a melhora desses sintomas”, afirma.

 

Sintomas

O psiquiatra aponta as características que podem ser usadas para identificar quem sofre dessa condição. “Se a pessoa passa muito tempo em uso desses dispositivos, estressada, com irritabilidade, perda de funções, ou seja, ela deixa de ter elementos funcionais no dia a dia dela, ou mesmo se a ausência desse dispositivo causa algum tipo de sintoma, como taquicardia, medo, pânico, suor, irritabilidade, dentre outras situações. Esses são alguns indicativos”, pontua Vinícius.

Paula não foi diagnosticada com a condição, mas está cada vez mais preocupada com a relação que mantém com o aparelho.

É como se fosse um daqueles brinquedinhos dos anos dois mil que tinha que ficar alimentando (tamagochi). Sinto que preciso alimentar ele pra conservar ele vivo o tempo inteiro. Tenho que olhar por conta do meu trabalho e sinto que é uma dependência de 100%”, conta. Já Sérgio Soares (fonte preferiu não se identificar) não se considera vítima dessa condição, mas admite que já teve inúmeros problemas por conta da dificuldade de ficar distante dos dispositivos.

“Nunca senti medo de ficar longe do celular ou do computador, mas é algo que me causa incômodo, especialmente depois de muito tempo, como já aconteceu com o computador”, conta. Acostumado a passar cinco horas por dia no computador e o tempo todo no celular, ele admite que essa relação é alvo de críticas da família e da namorada.

Mais vulneráveis

A nomofobia pode trazer consequências como perda de qualidade de vida, ansiedade, pânico, sintomas depressivos, irritabilidade e outras alterações, de acordo com o psiquiatra. Ele também aponta que os públicos mais vulneráveis à condição são jovens, pessoas isoladas, ou que sofrem de transtorno mental, dependência química ou emocional, indica o psiquiatra.

O sociólogo e docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Helder Bomfim, aponta que o uso dos celulares alterou profundamente a forma como nos colocamos no mundo e isso gera consequências.

“A gente é ‘bombardeado’ por uma quantidade muito grande de informações, por uma guerra algorítmica e isso tem impedido de chegarmos perto de nós mesmos, de refletirmos sobre nossa condição. Por isso essa dificuldade de conexão com o outro, de presença, porque estamos hiper conectados e cada vez mais desconectados”, aponta. O sociólogo também afirma que os mais jovens são os mais afetados por esses fenômenos.

Entre as recomendações para evitar essa situação estão a diminuição do tempo de tela e a busca de ajuda especializada para o caso de doenças como ansiedade e depressão, que podem levar à condição de nomofobia ou mesmo a potencializar. (A Tarde)